Lusitânia é filha de Lisibea (Lisboa) e do Sol e, por ela se apaixonou um caçador grego de nome Portugal. Quando os amores parecem desencaminhar-se, acorrem às deusas (diesas) gregas, com cuja protecção se decide então o casamento.
A estreia em cena do 'Auto da Lusitânia' de Gil Vicente, foi há 477 anos. Os primeiros-ministros ainda não tinham sido inventados, as escutas-espião eram feitas pela fresta da porta ou com disfarce de reposteiro e eleições era palavrita não esgalhada ainda no meio político. Mandava no reino, o todo poderoso D. João III, o Piedoso.
O 'Auto da Lusitânia' é composto por duas partes -com ou sem intervalo comercial do tipo 'voltamos dentro de 30 segundos'- e na primeira, relata as atribulações de uma família judaica; na segunda, é tratado o casamento da princesa Lusitânia com o cavaleiro grego Portugal. Entre os convidados, há a registar a presença de dois diabitos: Belzebu & Dinato.
Típico de Gil Vicente é a inclusão na trama teatral de vários temas, personagens e diálogos algo disfarçados do assunto principal, mas que têm sempre um fio condutor comum e acabam por fazer passar a mensagem entre sorrisos, evitando o cutelo.
Nesta cena do casamento, duas personagens principais aparecem: Todo o Mundo [um rico mercador, arrogante, vaidoso e ganancioso como a maioria] e Ninguém [o homem pobre, com virtude e modéstia como ninguém existe]. Belzebu & Dinato escutam o diálogo entre os dois homens e comentam entre si, anotando e sublinhando as questões relativas à cobiça, à vaidade, mas também à virtude, verdade e honra dos homens.
Qualquer semelhança com a actualidade, quase cinco séculos depois, é mera coincidência. Como se segue:
Ninguém: Que andas tu aí buscando?A estreia em cena do 'Auto da Lusitânia' de Gil Vicente, foi há 477 anos. Os primeiros-ministros ainda não tinham sido inventados, as escutas-espião eram feitas pela fresta da porta ou com disfarce de reposteiro e eleições era palavrita não esgalhada ainda no meio político. Mandava no reino, o todo poderoso D. João III, o Piedoso.
O 'Auto da Lusitânia' é composto por duas partes -com ou sem intervalo comercial do tipo 'voltamos dentro de 30 segundos'- e na primeira, relata as atribulações de uma família judaica; na segunda, é tratado o casamento da princesa Lusitânia com o cavaleiro grego Portugal. Entre os convidados, há a registar a presença de dois diabitos: Belzebu & Dinato.
Típico de Gil Vicente é a inclusão na trama teatral de vários temas, personagens e diálogos algo disfarçados do assunto principal, mas que têm sempre um fio condutor comum e acabam por fazer passar a mensagem entre sorrisos, evitando o cutelo.
Nesta cena do casamento, duas personagens principais aparecem: Todo o Mundo [um rico mercador, arrogante, vaidoso e ganancioso como a maioria] e Ninguém [o homem pobre, com virtude e modéstia como ninguém existe]. Belzebu & Dinato escutam o diálogo entre os dois homens e comentam entre si, anotando e sublinhando as questões relativas à cobiça, à vaidade, mas também à virtude, verdade e honra dos homens.
Qualquer semelhança com a actualidade, quase cinco séculos depois, é mera coincidência. Como se segue:
Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar:
delas não posso achar,
porém ando porfiando
por quão bom é porfiar.
Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?
Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo
e meu tempo todo inteiro
sempre é buscar dinheiro
e sempre nisto me fundo.
Ninguém: Eu hei nome Ninguém,
e busco a consciência.
Belzebu: Esta é boa experiência:
Dinato, escreve isto bem.
Dinato: Que escreverei, companheiro?
Belzebu: Que Ninguém busca consciência.
e Todo o Mundo dinheiro.
Ninguém: E agora que buscas lá?
Todo o Mundo: Busco honra muito grande.
Ninguém: E eu virtude, que Deus mande
que tope com ela já.
Belzebu: Outra adição nos acude:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra Todo o Mundo
e Ninguém busca virtude.
Ninguém: Buscas outro mor bem qu'esse?
Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse
tudo quanto eu fizesse.
Ninguém: E eu quem me repreendesse
em cada cousa que errasse.
Belzebu: Escreve mais.
Dinato: Que tens sabido?
Belzebu: Que quer em extremo grado
Todo o Mundo ser louvado,
e Ninguém ser repreendido.
Ninguém: Buscas mais, amigo meu?
Todo o Mundo: Busco a vida a quem ma dê.
Ninguém: A vida não sei que é,
a morte conheço eu.
Belzebu: Escreve lá outra sorte.
Dinato: Que sorte?
Belzebu: Muito garrida:
Todo o Mundo busca a vida
e Ninguém conhece a morte.
Todo o Mundo: E mais queria o paraíso,
sem mo Ninguém estorvar.
Ninguém: E eu ponho-me a pagar
quanto devo para isso.
Belzebu: Escreve com muito aviso.
Dinato: Que escreverei?
Belzebu: Escreve
que Todo o Mundo quer paraíso
e Ninguém paga o que deve.
Todo o Mundo: Folgo muito d'enganar,
e mentir nasceu comigo.
Ninguém: Eu sempre verdade digo
sem nunca me desviar.
Belzebu: Ora escreve lá, compadre,
não sejas tu preguiçoso.
Dinato: Quê?
Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.
Ninguém: Que mais buscas?
Todo o Mundo: Lisonjear.
Ninguém: Eu sou todo desengano.
Belzebu: Escreve, ande lá, mano.
Dinato: Que me mandas assentar?
Belzebu: Põe aí mui declarado,
não te fique no tinteiro:
Todo o Mundo é lisonjeiro,
e Ninguém desenganado.
Créditos: imagem Lima de Freitas
1 comments:
Excelente!
Foi o que mais gostei de ter lido a respeito...
Só com elevação saímos do pântano.
A análise da trica não me interessa, mas antes os terriveis mecanismos de "sobre" vivência humana, que embora com roupagens diferentes se repetem, repetem repetem...
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