D.João II tinha mão pesada no que à quebra de sigilo dizia respeito. Sigilo, sobre a euforia dos descobrimentos, note-se. Não havia meia-medida: arrumava-se com o traidor em três (ou dois) tempos.
Alberto Cantino, um diplomata-espião ao estilo 007, acantonado em Lisboa, reportava ao italiano Duque de Ferrara e este, homem de negócios, não gostava de não ter acesso à informação, sobretudo a lusa e, já agora, a castelhana de igual modo. Por isso, se havia novos negócios no mundo, Ferrara, queria saber.
Cantino, fez o que pôde e com paciência de quase um ano. Abriu também os cordões à bolsa, e disparou 12 ducados de ouro -não tenho câmbio para isto, mas seguramente seria uma pequena fortuna em pleno sec. XVI- e pagou a um cartógrafo, o qual, até hoje se desconhece o nome. Não houve inquérito, ninguém foi suspenso e, Cantino, conseguiu o mapita para o seu estimado Duque.
O mapa, acabado em 1502, mostrava já e com precisão assombrosa o mundo descoberto: África sobretudo, o futuro Brasil, a linha do tratado de Tordesilhas, parte da costa da América do Norte (só reconhecida oficialmente uma década depois), a Ásia e até a recentíssima ilha de Ascensão, que à data, os navegadores ainda estavam de regresso. Coisa bastante precisa, portanto, e em três folhas coladas.
O planisfério 'de Cantino' sobrevive na biblioteca do Duque até 1592, sendo nesta altura transferido pelo Papa Clemente VIII para um palácio em Modena até meados do séc. XIX. É por esta altura que convulsões políticas e pilhagens associadas fazem com que o planisfério desapareça.
Mas não é o fim da história.
Numa manhã de 1859, Giuseppe Boni, director da Biblioteca Estense de Modena, e, certamente acometido de um súbito desejo de um bom prato de salsichas enroladas em couve lombarda, entra numa salsicharia dessa cidade; espera-não-espera pelo salsicheiro, eis que repara na peculiar cortina de uma janela desse talho: já mutilado, não era nem mais nem menos que uma parte do célebre mapa de Cantino.
D.João II ganhou na globalização que inventou precocemente, Ferrara perdeu no talho.
Créditos: imagem Abril/Cultural
Alberto Cantino, um diplomata-espião ao estilo 007, acantonado em Lisboa, reportava ao italiano Duque de Ferrara e este, homem de negócios, não gostava de não ter acesso à informação, sobretudo a lusa e, já agora, a castelhana de igual modo. Por isso, se havia novos negócios no mundo, Ferrara, queria saber.
Cantino, fez o que pôde e com paciência de quase um ano. Abriu também os cordões à bolsa, e disparou 12 ducados de ouro -não tenho câmbio para isto, mas seguramente seria uma pequena fortuna em pleno sec. XVI- e pagou a um cartógrafo, o qual, até hoje se desconhece o nome. Não houve inquérito, ninguém foi suspenso e, Cantino, conseguiu o mapita para o seu estimado Duque.
O mapa, acabado em 1502, mostrava já e com precisão assombrosa o mundo descoberto: África sobretudo, o futuro Brasil, a linha do tratado de Tordesilhas, parte da costa da América do Norte (só reconhecida oficialmente uma década depois), a Ásia e até a recentíssima ilha de Ascensão, que à data, os navegadores ainda estavam de regresso. Coisa bastante precisa, portanto, e em três folhas coladas.
O planisfério 'de Cantino' sobrevive na biblioteca do Duque até 1592, sendo nesta altura transferido pelo Papa Clemente VIII para um palácio em Modena até meados do séc. XIX. É por esta altura que convulsões políticas e pilhagens associadas fazem com que o planisfério desapareça.
Mas não é o fim da história.
Numa manhã de 1859, Giuseppe Boni, director da Biblioteca Estense de Modena, e, certamente acometido de um súbito desejo de um bom prato de salsichas enroladas em couve lombarda, entra numa salsicharia dessa cidade; espera-não-espera pelo salsicheiro, eis que repara na peculiar cortina de uma janela desse talho: já mutilado, não era nem mais nem menos que uma parte do célebre mapa de Cantino.
D.João II ganhou na globalização que inventou precocemente, Ferrara perdeu no talho.
Créditos: imagem Abril/Cultural
1 comments:
Eu que precisava tanto dum sócio com gosto por estas coisitas da História, farto-me de fazer convites e nada. e depois leio estas coisas interessantes.
Parece que estamos em presença dum caso de fuga de informação, como não havia fotocópias, levaram a informação toda que foi parar ao talho
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